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Caça-rato vence a morte duas vezes para realizar sonho de jogar futebol

Ídolo do Santa Cruz e atual jogador do Atlético Itapemirim, Flávio Caça-Rato venceu duas vezes a morte para realizar o sonho de jogar futebol

Flávio Caça-Rato pode encher o peito para afirmar que venceu na vida. Ou, como ele mesmo diz, “sobreviveu”.

O folclórico atacante, que hoje defende o Atlético Itapemirim no Capixabão, driblou a morte duas vezes antes de realizar o sonho de jogar profissionalmente no Santa Cruz, onde virou ídolo depois de ser bicampeão pernambucano e fazer o gol do título da Série C do Brasileiro de 2013.

A primeira vez que ele viu a morte de perto foi aos oito anos, vítima do próprio pai, João Augusto, alcoólatra, que chegou em casa embriagado e começou a bater na filha Fabiana, até que o caçula Flávio tentou impedir.

Revoltado com a intervenção, João Augusto tentou enforcar o filho, pendurando Flávio com um lençol. Fabiana correu para a rua e pediu ajuda a um tio, que conseguiu evitar o pior.

“Meu pai não aceitou a separação da minha mãe. Ele deixou a bebida tomar conta dele. Toda vez que bebia, queria descontar em mim e na minha irmã (ele também tem um irmão chamado Fábio). Nessa situação ele tentou me enforcar, mas Deus colocou meu tio na hora certa e ele conseguiu me salvar. Depois, minha mãe levou a gente para morar com ela. É uma situação ruim, difícil, mas Deus sabe de todas as coisas”, lembra Caça-Rato, hoje com 32 anos.

Na segunda vez que driblou a morte, em 2010, o atacante foi a uma festa no bairro Campina do Barreto, na periferia do Recife (PE). Depois de uma discussão, ele levou dois tiros, um nas costas e o outro na perna direita.

“Nasci de novo! O doutor se surpreendeu quando viu o buraco da bala que atingiu as costas (ele poderia ter ficado tetraplégico), mas a bala ‘varou’ (atravessou) meu corpo e no outro dia eu fui liberado. Fiquei dois meses me recuperando”, lembra o atacante, que na época defendia a Cabense/PE.

Hoje, Flávio Caça-Rato tem orgulho da sua própria história: “Só de realizar os seus sonhos, você já é um vencedor. Nem todo mundo consegue trabalhar na profissão que gosta. Eu sou um vencedor por ter saído de comunidade, conseguir jogar futebol, ter feito uma história e ser conhecido não só no Brasil, mas fora também. Então, para mim, eu sou vencedor e sobrevivente também (risos)”.

Você escapou da morte duas vezes. A primeira envolveu uma questão de família. O que aconteceu?

Flávio Caça-Rato — Uma foi meu pai, que não aceitou a separação da minha mãe. Ele deixou a bebida tomar conta dele. Toda vez que ele bebia, ele queria descontar em mim e na minha irmã (Fabiana). Nessa situação ele tentou me enforcar, mas Deus colocou meu tio na hora certa e ele conseguiu me salvar. Depois minha mãe levou a gente para morar com ela. É uma situação ruim, difícil, mas Deus sabe de todas as coisas. A gente às vezes tem que passar por uma situação dessas para depois, lá na frente, saber valorizar o que Ele vai proporcionar para você.

Ter encarado a morte de perto por duas vezes mudou a sua forma de enxergar a vida?

Com certeza. O que eu tento passar para os meus filhos é totalmente diferente. Não foi porque eu não tive amor de pai que eu não vou fazer diferente com meus filhos (Flávio, 8 anos, Miguel, 6, e Fabrício, 3). É isso que eu faço, também dentro de campo, pela minha família.

O que aconteceu naquela festa de 2010?

Eu estava em casa e meu amigo ligou. Minha mãe e minha irmã falaram para eu não ir, mas não dei ouvido. Essa pessoa me estranhou. Ele falou que não era para eu estar lá e me empurrou. Como eu era cabeça quente e não levava desaforo para casa, fui para cima dele e a gente bateu boca. Quando eu estava indo para casa, ele deu dois disparos em mim. Eu era casado e minha mulher (Daiana dos Santos) estava grávida.

Seu pai morreu muito novo, aos 45 anos apenas…

Quando cheguei ao Santa Cruz, meu pai já tinha morrido. Ele tinha o sonho de me ver jogando no Santa Cruz. Depois que entrei lá, fiquei muito feliz porque teria sido uma alegria muito grande para ele.

Apesar da relação conturbada, você queria realizar esse sonho dele?

Com certeza. Às vezes o ser humano erra, mas a gente não pode ficar com mágoas, ainda mais porque é o meu pai né, cara, meu sangue.

Você fez o gol do acesso e do título da Série C do Santa Cruz. Qual foi o gol mais emocionante?

O mais bonito foi na final do Pernambucano contra o Sport, em 2013 (depois de driblar o goleiro). Mas o mais importante foi o do acesso para a Série B (vitória por 2 a 1 contra o Betim/MG, no Arruda, pelas quartas de final da Série C de 2013). Nem sabia o que eu tinha feito! Cheguei em casa e estava todo mundo me ligando. A ficha caiu depois que meu colega falou: “pô, tu fez o gol do acesso do Santa!”, aí eu disse “não!”, porque eu estava contando com o jogo de ida, que a gente tinha ganhado de 1 a 0. Aí ele disse “fez sim, pô, porque se os caras fizessem o 2 a 1 classificavam por causa do gol fora de casa”. Quando caiu a ficha, passou vários filmes porque eu fui nascido e criado perto do Arruda. Veio as lambranças do sofrimento porque nada é fácil, lidar com as coisas da vida, mas nunca desisti e poder fazer algo tão grande pelo Santa Cruz, que renasceu de novo, foi muito significativo para mim.

Como foi para você jogar no time de coração? Ia assistir aos jogos do Santa Cruz quando moleque?

Eu morava há dez minutos do Arruda, mas nunca joguei nas categorias de base do Santa Cruz. Fui jogar no Sport, me profissionalizei lá, mas eu ia direto nos jogos do Santa Cruz, mano. E quando aconteceu de eu jogar lá, veio aquele filme todinho. Eu pedia para entrar em campo com os jogadores quando era criança e ficava maluco! Lembrei daquilo que eu tinha no meu pensamento, de que esse sonho ia se realizar, e aconteceu. Foi muito bacana mesmo.

E sua relação com o Sport, rival do Santa? Foi lá onde você começou mas não teve muitas oportunidades…

Quando a gente é da base a gente tem o sonho de jogar no profissional. Eu fiquei muito chateado por não ter oportunidade de jogar no profissional do Sport porque eu tinha acabado de ser campeão e artilheiro do júnior, com 27 gols. Achei que teria uma sequência de dois ou três jogos, mas tive só 15 minutos e começaram a me emprestar.

É por isso que você sempre ia bem nos clássicos contra o Sport?

Caraca, todo mundo falava isso, velho (risos): “Você só quer jogar contra o Sport!”. Aí eu dizia: “Pô, mas não é por ser contra o Sport, é porque é um clássico que para tudo”. Eu sabia que se perdesse ia ficar marcado, então eu pensava que não podia errar um passe e perder um gol, aí graças a Deus eu sempre ia bem contra o Sport.

Qual foi o momento mais difícil da sua carreira?

É um momento que pouca gente sabe. Foi quando eu fui jogar na Croácia (no NK Omis, da segunda divisão, em 2009). Joguei lá por três meses. Tinha brasileiro lá que falava croata e me ajudou. Um clima frio, uma ventania danada. Eu não sabia falar uma palavra em croata. Os caras falavam comigo e eu xingava (risos). Quando eu voltei, o time da Croácia não queria me liberar e eu passei um ano sem poder jogar. Fui para a Cabense disputar o estadual de Pernanbuco, mas meu nome não caía no BID. Eu sou muito grato ao Carlos Kila que me levou para a Cabense. Chamo ele de pai porque mesmo sem jogar, ele pagava o meu salário e minha passagem, e acreditou em mim. Eu chegava em casa e via minha mãe chorando porque ela sabia que eu estava sofrendo, porque o que eu mais gosto de fazer é jogar futebol. Fiquei bastante triste.

Por que esse cabelo loiro?

Falei com minha esposa e com Denis Marques (companheiro de Santa Cruz) que eu ia pintar o cabelo. Pintei e fiz dois gols aí está até hoje. Eu já tinha pintado o cabelo com uns 17 anos, na época do carnaval de Olinda.

Aprontou muito no carnaval de Olinda?

Eu ia mais antes de ser o Caça-Rato. Depois, ficou difícil porque as pessoas me conheciam e não dava mais para brincar.

Você é melhor de mira com as mãos, caçando rato com estilingue, ou com os pés?

Caraca! Com os dois porque até agora está dando certo (risos).

Está gostando do Espírito Santo?

Estou gostando, o presidente (Armando Zanata) acreditou em mim. Graças a Deus estou podendo ajudar de todas as formas. Isso é o mais importante e está fluindo. Atacante tenta fazer gol, mas o mais importante é ajudar o grupo, e os gols vão sair na hora certa. O campeonato vai começar agora no mata-mata (Atlético Itapemirim enfrenta o Vitória nas quartas de final). Ter sido o primeiro ou o último não diz nada. No mata-mata ninguém pode errar!

CR7 do Nordeste no Santa

Quando moleque, Flávio morava perto do estádio do Arruda, na avenida Professor José dos Anjos, e sempre dava um jeito de ir aos jogos do Santa Cruz. Vindo de família humilde, ele trocava nota fiscal por ingresso ou pedia a algum estranho para se passar por seu pai, já que criança com até 12 anos, acompanhada de um responsável, não pagava ingresso.

Curiosamente, o atacante acabou sendo revelado pelo maior rival, o Sport. No entanto, de 2011 a 2014, Flávio Caça-Rato realizou o sonho de jogar no time de coração.

“Foi o clube que me proporcionou muitas coisas boas, onde fui bicampeão pernambucano, tive os acessos para a Série C e para a Série B, e fui campeão da Série C. Até agora são as minhas melhores lembranças que tenho no futebol”, afirma.

No Santa Cruz, virou ídolo. A torcida o apelidou de CR7 do Nordeste, em referência ao português Cristiano Ronaldo. E fez até campanha para a convocação na Seleção.

“Até hoje, quando vou lá no Recife, os torcedores me pedem para voltar. Quando teve essa campanha, não vou mentir não, eu fiquei na expectativa! Qual é o jogador que não sonha em estar na Seleção? ”.

Aos 32 anos, Flávio Caça-Rato se diz feliz hoje no Atlético Itapemirim, onde fez um gol no Capixabão, contra o Rio Branco. Mas sonha em voltar a vestir a camisa do Santa.

“Acho que o momento certo vai chegar. Tenho uma amizade com o presidente e com a diretoria. Tive até uma oportunidade de voltar no ano passado, mas não deu certo. Quem sabe encerrar a carreira lá?”, conta.

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