O Supremo Tribunal Federal (STF) tende a adotar uma postura favorável à vacinação compulsória, se houver eficácia comprovada, em dois julgamentos distintos que devem ser levados ao plenário da Corte nos próximos meses — um deles tratando da covid-19 e outro sobre se pais têm direito de não aplicar nos filhos vacinas que fazem parte do calendário oficial de vacinação definido pelas autoridades sanitárias.
Nesta segunda-feira (26), o presidente Jair Bolsonaro disse, em recado ao Supremo, entender que a vacinação “não é uma questão de Justiça, mas uma questão de saúde”. Na semana passada, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, havia dito que a judicialização sobre o tema será “importante” e “necessária”. Já para Bolsonaro, “não pode um juiz decidir se você vai ou não tomar a vacina, isso não existe’.
Os dois julgamentos sobre imunização não têm data para irem a plenário. A obrigatoriedade da aplicação de vacinas contra a Covid-19, quando estiverem prontas e testadas, entrou no horizonte do tribunal por causa de quatro novas ações, movidas por partidos na semana passada, a maior parte deles contrária às declarações de Jair Bolsonaro, contrário à vacinação compulsória. O relator é o ministro Ricardo Lewandowski, que já pediu informações ao Planalto.
Antes desse julgamento sobre a vacinação da Covid-19, porém, o Supremo deverá decidir, em outra ação, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, se os pais podem deixar de vacinar o filho, tendo como fundamento convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais. O ponto em comum entre os julgamentos é o embate entre o direito coletivo à saúde e a liberdade individual de não se submeterem à vacinação. Na contraposição desses princípios, a composição atual do STF inclina-se a privilegiar o bem coletivo, ou seja, a vacinação obrigatória.
Embora Barroso não adiante posicionamento, é dado como certo de que irá votar a favor de que filhos não podem deixar de tomar vacina prevista no calendário oficial de vacinação determinado pelas autoridades sanitárias, incluindo o Ministério da Saúde.
– Não posso antecipar meu voto, mas a minha visão é de valorização da ciência e do conhecimento técnico – disse ele, ao comentar o assunto.
A ação específica que será discutida — com repercussão geral nos demais processos no Brasil — foi apresentada por uma família de São Paulo que entende que o filho não deve ser vacinado, após o Ministério Público ter obtido decisão judicial que obriga a vacinação.
Barroso disse ao Broadcast Político/Estadão que quer levar a ação ao plenário ainda neste ano. Além da discussão sobre liberdades versus direito à saúde, um dos aspectos que devem ser colocados em debate pelo relator neste primeiro julgamento – e que pode voltar no processo sobre vacinação contra a covid-19 – é a politização do tema, tendo em conta o crescimento do movimento antivacina no Brasil, especialmente após a pandemia. Esse julgamento, portanto, trará sinalizações importantes sobre a legalidade de o Estado impor ou não a vacinação obrigatória contra o vírus da pandemia.
Nas ações protocoladas pelos partidos, não há um pedido formal para que o STF obrigue a vacinação de Covid-19. Entre as demandas apresentadas, o PDT quer que a corte reconheça a competência de estados e municípios para determinar ou não a vacinação compulsória da população. Em linha oposta, o PTB, da base de apoio ao governo, solicita que essa possibilidade seja declarada inconstitucional.
Nesse ponto, a tendência é que o Supremo estabeleça que estados e municípios são autônomos para definirem sobre a política de vacinação contra a Covid-19. Essa decisão deve ir na mesma linha da que foi tomada em abril, quando a Corte decidiu que prefeitos e governadores podem tomar providências normativas e administrativas relativas à pandemia, cabendo ao governo federal respeitar essas medidas adotadas.
Nos bastidores do STF, a leitura é que o tribunal deverá, no mínimo, abrir caminho para que Estados e municípios imponham a vacinação obrigatória — mas também é possível que já seja tomada uma definição no sentido da obrigatoriedade da vacina de Covid-19, se e quando houver um imunizante com eficácia garantida.
Ontem, em mensagem a apoiadores, Bolsonaro condicionou a compra de uma vacina contra Covid-19 pelo Brasil à certificação e sem “correria”.
– Queremos é buscar solução para o caso. Pelo que tudo indica, todo mundo diz que a vacina que menos demorou até hoje foram quatro anos, não sei por que correr em cima dela – afirmou.
Além desse debate, as ações apresentadas pelos partidos PCdoB, PSOL, PT, PSB, Cidadania e Rede Sustentabilidade pedem que o tribunal impeça o governo federal de praticar qualquer ato que prejudique o andamento de qualquer pesquisa sobre vacina no país, além de exigir planejamento para a vacinação.
O debate sobre o papel do governo no andamento dos estudos e os pré-requisitos para a adoção de uma vacina ganhou força após Bolsonaro manifestar resistência à Coronavac, imunizante desenvolvido em parceria entre o laboratório chinês Sinovac e o Instituto Butantan, de São Paulo. O presidente disse que vai esperar o produto ter comprovação científica de eficácia e falou em “descrédito” de boa parte da população em relação ao produto, em função da origem na China.
*Estadão
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