á sete meses em Roraima, William Mata, de 57 anos, ainda não é fluente em português, mas já tem o mesmo sonho que milhares de brasileiros. Engenheiro de alimentos e ex-empresário, chegou a Boa Vista sem dinheiro e teve de viver até na rua. Agora, morando de aluguel, mas ainda desempregado, ele é rápido em dizer qual o seu maior desejo para o futuro: conquistar a casa própria.
Nesta segunda-feira (25), Dia Nacional do Imigrante, o G1 mostra histórias de venezuelanos que, fugindo da crise no país natal, buscam em Roraima um novo lar. A data foi instituída por decreto pela Assembleia Legislativa de São Paulo.
A casa fica no bairro Senador Hélio Campos, na periferia de Boa Vista, e tem só três pequenos cômodos. As paredes são todas pintadas de azul e verde, o piso é de cimento queimado – e brilha porque foi recém-limpo. Os móveis são bem poucos e foram todos improvisados com madeira e tijolos. Na cozinha, há um fogão, mas não uma geladeira. Esse é lar de William, da mulher, Maricelis Ramos, 39, e da enteada Graziella Mujica, 2.
Mas nem sempre foi assim. Antes da vinda delas para o Brasil, há três meses, William viveu sozinho na Praça Capitão Clóvis – cercada com tapumes e desocupada em abril – e também no prédio da antiga Secretaria de Administração (Segad). Já com a mulher e a enteada, viveu nos fundos da igreja Nossa Senhora da Consolata.
“Viver na rua é difícil, porque não há condições dignas. Na rua é impossível sonhar”, relembra William.
Hoje morando de aluguel, os dois ainda estão desempregados e contam com a ajuda de amigos brasileiros para custear a moradia. Apesar disso, não há dúvidas. Longe das ruas, se sentem em casa.
“No dia em que nos mudamos para essa casa nos sentimos mais humanos, com mais força, e ânimo para seguir adiante”, conta Maricelis.
Ao passo que se acostumam à nova vida, veem crescer a vontade de fixar raízes no Brasil. Querem trazer para o país a filha mais velha de Maricelis, que mora com o pai em El Tigre, na Venezuela. A ideia é que depois disso ela e a irmã se juntem às mais de 2 mil crianças venezuelanas atualmente matriculadas na rede municipal de Boa Vista e comecem a estudar no Brasil.
“Vejo um futuro bonito mais no Brasil do que na Venezuela. Com minha família, uma casa, e um emprego. Quero ter a tranquilidade de saber que minhas filhas terão um futuro melhor aqui”, diz Maricelis, e William complementa. “Estamos aqui para iniciar uma nova vida, recomeçar”.
A família de imigrantes faz parte do crescente número de venezuelanosque deixam o país natal para fugir, principalmente, da escassez de comida e remédios vivida no regime de Nicolás Maduro.
Em Boa Vista, primeira capital brasileira depois da fronteira, são 25 mil venezuelanos, o equivalente a 7,5% da população local que é de 332 mil habitantes, segundo um mapeamento inédito da prefeitura divulgado no dia 18 deste mês. Desses, 65% estão desempregados e 90% não recebem nenhum tipo de ajuda.
Mesmo que talvez ainda distante de realizar o sonho da casa própria, a família de William já tem um teto para si, ao contrário dos 4,2 mil venezuelanos que vivem nos nove abrigos públicos do estado. Cinco foram abertos só neste ano pela Força Tarefa Logística e Humanitária, criada pelo presidente Michel Temer (MDB) em fevereiro para lidar com o intenso fluxo de imigrantes no estado.
Em um deles, o abrigo Senador Hélio Campos, um bailarino com cerca de 1,80m de altura se espreme todas as noites dentro de uma barraca pouco maior do que ele. É Isnardo Rondón, de 21 anos, que chegou ao país há três meses. Veio só, mas em Roraima encontrou duas irmãs e três sobrinhos.
O bailarino, que desde os 14 anos trabalha para sustentar a família, diz que costuma ficar madrugadas em claro preocupado com a mãe – uma senhora hipertensa de 60 anos – que continua na Venezuela. Ele quer trazê-la para o país o mais rápido possível.
Antes, porém, tem que arranjar um emprego. Por isso, todos os dias vai às ruas e na maioria das vezes caminha de 3h a 4h para chegar ao Centro da cidade em busca de trabalho.
É duro caminhar por tantas horas, mas é uma força que temos que fazer”.
Apesar das dificuldades diárias e das noites mal dormidas na barraca, ele diz que se sente em casa no Brasil e já faz planos para o futuro no país. “Meu grande sonho agora é ser professor de dança. Quero ensinar salsa”, explica relembrando o que viveu na Venezuela. “Passava fome”.
Mas não são todos os imigrantes que encontram em Boa Vista um novo lar. Muitos não tem conseguido nem mesmo um teto, afinal os oito abrigos da capital estão cheios. Prova disso é um levantamento da própria Força Tarefa que mostra que atualmente há pelo menos 619 venezuelanos em situação de rua na capital.
Três deles são da família Torres. Ruthmari, 36, José Roldofo, 37, e Ruthmariangel, 11. Os três vivem em um acampamento improvisado junto com outros 200 venezuelanos em frente ao abrigo Jardim Floresta, o maior da cidade, onde tentam conseguir vagas.
A família já passava dificuldades antes mesmo de chegar ao Brasil. Viviam em El Tigre, onde tinham casa própria, mas passavam fome. A crise os forçou a mudar de país. Cruzaram a fronteira a pé, e caminhariam por 215 quilômetros até Boa Vista como muitos têm feito, mas conseguiram carona e foram direto para o acampamento.
Vivendo na rua há dois meses, a família não têm acesso ao mínimo de conforto. Dormem em uma barraca de camping, usam os banheiros da vizinhança, e cozinham em fogueiras usando latas de tinta como panelas. Além disso, receberam a ordem de só armar a barraca à noite. Assim, enfrentam os dias debaixo de sol e chuva.
A vida precária tem os adoecido. A menina costuma ter dores de barriga e agora está com a garganta inflamada. O pai tem coceiras pelo corpo todo e às vezes não consegue nem ir trabalhar. A mãe, preocupada, fica o dia inteiro em estado de alerta esperando se mudar para o abrigo.
“Penso que a qualquer momento irão chegar para nos buscar e levar ao abrigo, por isso evito sair daqui e ficar fora por muito tempo”, explica Ruthmari.
Em meio a tantas dificuldades, Ruthmari desabafa. Diz que não se sente bem e vai além. Conta que vivendo nas ruas do Brasil só sabe sonhar com o fim da crise na terra natal para então voltar para casa. “Na Venezuela passávamos fome, porque nos faltava comida. Aqui o que nos falta é um teto”
Fonte: g1.com