Nesta quinta-feira (27), celebra-se o Dia Nacional de Luta pelos Direitos das Pessoas com Doença Falciforme. A doença hereditária mais prevalente no Brasil e no mundo ainda recebe pouca atenção e especialização por parte da rede de saúde. Falta capacitação e preparo para o manejo dos pacientes. E relatos de negligência e preconceito são comuns.
A dona de casa Cláudia Reis, 45 anos, reclama da dificuldade de conseguir tratamento especializado nas unidades de pronto atendimento durante as crises álgicas, complicações da doença marcadas por fortes dores:
“Quando precisamos ir a um pronto socorro é porque já tentamos de tudo e não passou a dor. Várias vezes, já cheguei com muita dor e me deram pulseira verde (considerada de pouca urgência na triagem). E quando fui atendida me deram apenas um comprimido e mandaram de volta pra casa”, conta.
Durante a crise álgica, é necessário a aplicação de medicamentos analgésicos mais potentes, como morfina, metadona e tramadol. Mas muitos muitos ignoram os relatos dos sintomas e acusam os pacientes de serem dependentes químicos, conforme afirma Larissa Sardinha, de 31 anos:
“Nos humilham nos chamando de viciados quando explicamos quais as medicações que realmente fazem efeito. Nos passam uma dipirona e nos mandam embora”, dispara.
Cláudia reforça a discriminação enfrentada ao procurar atendimento de urgência. “Existe muito preconceito e desrespeito dizendo que somos viciados em medicações, como morfina. Parece que somos invisíveis. Pessoas morrem por causa dessa dor”, alerta.
O estigma e preconceito gerado pelo despreparo gera sofrimento para os pacientes. Sintomas agudos e dolorosos não recebem atenção devida e os quadros se prolongam ao invés de serem solucionados.
Estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, e da Universidade da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, analisou as características do estigma nas interações de pessoas com doença falciforme. E apontou a presença de discriminação por parte de trabalhadores de saúde vivenciados por “descrédito dos relatos de dor, atribuição de rótulos e estereótipos, culpabilização por não melhorarem a saúde, discriminação, racismo, avaliação inadequada da dor e demora no atendimento”.
A pesquisa intitulada “Por que sua dor nunca melhora? Estigma e enfrentamento de pessoas com doença falciforme” foi publicada em 2021, na Revista Brasileira de Enfermagem.
Doença
No Espírito Santo, a estimativa de casos de doença falciforme é de 2.880 pessoas, segundo projeção do Centro de Hemoterapia e Hematologia do Espírito Santo (Hemoes).
A doença é mais comum, mas não exclusiva, na população negra. É caracterizada por alteração nos glóbulos vermelhos do sangue – as hemácias. As células apresentam a forma de foice, daí o nome falciforme. Essa deformidade dificulta a circulação e transporte de oxigênio no sangue até os tecidos, o que gera dores intensas e crônicas, anemia, infecções, entre outras complicações.
Todos os sistemas orgânicos podem ser atingidos de modo severo. Sem os cuidados adequados, a expectativa de vida de quem tem a doença é significativamente impactada, como explica a professora doutora do curso de Enfermagem da Ufes Luciana de Cássia Nunes Nascimento. “No Brasil, a expectativa de vida é de 45 anos, quando a pessoa recebe o tratamento adequado. Sem esse atendimento, chega ao ponto de diminuir em 20 ou 30 anos”, alerta.
Capacitação de profissionais
Pensando na qualidade da assistência prestada à saúde dessas pessoas, Luciana e outros professores da Ufes criaram, em 2017, o Núcleo Estadual de Educação Permanente em Doença Falciforme (Neep) na Universidade. O projeto de extensão tem ações voltadas à capacitação de profissionais de saúde e orientação a pacientes e associações sobre a doença falciforme e suas implicações.
“Trabalhamos para dar mais visibilidade à doença falciforme e contribuir para a formação dos profissionais de saúde (equipe multiprofissional), para as próprias pessoas que convivem com esse agravo, seus familiares, cuidadores e estudantes. O objetivo é alcançar mais qualidade de vida para as pessoas com doença falciforme”, explica Luciana.
Entre as ações desenvolvidas pelo Neep estão pesquisas na área da doença falciforme, minicursos, eventos, oficinas e ações de educação para capacitação de profissionais e acadêmicos da área da saúde, além das pessoas que convivem com a doença falciforme, seus familiares e outros cuidadores.
Além disso, o núcleo tem parceria com o Hemoes, Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG), e com o projeto “Cuidado com Feridas e Estomias”, que é desenvolvido pelo Departamento de Enfermagem da Ufes e mantém suas atividades no Ambulatório de Feridas Falcêmicas do Hemoes.
Atendimento ambulatorial
No Espírito Santo, crianças e adolescentes com doença falciforme recebem acompanhamento ambulatorial no Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória. E a partir da maioridade, no Hemoes, responsável pela coordenação das ações no Estado. São 404 pacientes cadastrados em acompanhamento no Hemoes, e 323 no Hospital Infantil. No ano de 2022, já foram encaminhados 22 novos casos de bebês com diagnóstico de doença falciforme para o Hospital Infantil.
Desde 2001, o diagnóstico em bebês é feito pelo teste do pezinho. O exame é realizado nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou em unidades hospitalares após o parto. O serviço de triagem neonatal estadual possui atualmente 444 postos de coleta, distribuídos nos 78 municípios do Espírito Santo.
Já crianças a partir dos 4 meses de idade, adolescentes e adultos podem realizar o exame de sangue chamado eletroforese de hemoglobina na rede básica de saúde, para identificar a presença de traço falciforme.
Atendimento de urgência
Larissa, citada no início da reportagem, é moradora de São Mateus, no norte do estado. Ela precisa ir até Vitória todo mês para acompanhamento médico no Hemoes, onde é atendida por uma equipe multiprofissional, capacitada e formada por médicos hematologistas, psicólogo, farmacêutico e enfermeiros. O centro oferece serviços especializados necessários ao tratamento da doença, como transfusão sanguínea eletiva e ambulatório de feridas.
É no hemocentro também que Cláudia faz o acompanhamento da doença: “Graças a Deus temos no Hemoes médica hematologista que nos trata com amor e dignidade e nos auxilia no que é possível. Mas na cidade onde moro, nos postos de saúde e no pronto atendimento não tenho uma resposta adequada às necessidades urgentes”, conta a moradora de Cariacica.
As dificuldades de Larissa, Cláudia e de outros pacientes aparecem quando precisam de atendimento nas unidades de pronto atendimento dos municípios, que não dispõem de profissionais com manejo adequado nos momentos de crises ou complicações. Por isso, centros de referência de urgência e emergência com profissionais qualificados são as principais demandas de quem vive com a doença.
A necessidade desses locais é reforçada por especialistas, como a médica chefe do núcleo especial técnico do Hemoes, Rachel Lacourt: “O Hemoes é um centro de referência para atendimento ambulatorial. A gente carece, no estado, ainda de um centro de referência de urgência e emergência e de internações. Esses pacientes necessitam desse tipo de atendimento com certa frequência, com cuidado complexo e integral, e equipe estabelecida e capacitada.”
Propostas
Relatos apontam que eles enfrentam, nas crises de dor, o despreparo de equipe de saúde e não recebem atendimento adequado
Preconceito marca pacientes com doença falciforme
Fonte: Assembleia Legislativa do ES.
Para mais informações sobre a Assembleia Legislativa do ES acesse o site da ALES
Preconceito marca pacientes com doença falciforme