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Nova divisão dos royalties liga o alerta da petrodependência do litoral sul do ES

Uma fonte rica e que parecia não ter fim. Por anos, as riquezas do petróleo jorraram de forma significativa nos cofres de municípios capixabas que concentram as reservas em produção. Porém, essa fonte pode se secar muito antes do que se imaginava. Com o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) marcado para dezembro, o bolo de royalties e participações especiais pode passar a ser dividido também entre regiões não-produtoras, trazendo grandes perdas para o Espírito Santo.

Se a nova divisão for à frente, cidades do Estado consideradas ricas devido ao volume recebido de royalties podem entrar numa situação de colapso fiscal e, como consequência, também dos serviços públicos. São municípios altamente dependentes do dinheiro do ouro negro para sobreviver mas que, em muitos casos, não conseguiram desenvolver suas economias, tendo ainda uma população pobre e baixa qualificação de mão de obra.

Um levantamento feito pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) mostra que os municípios capixabas podem perder, no total, 53% das receitas com royalties se o STF considerar constitucional a lei de 2012 que prevê a redistribuição. No caso dos grandes produtores, o percentual tende a ser ainda maior.

No Espírito Santo, os campeões de royalties em 2019 foram Presidente Kennedy (que recebeu R$ 295 milhões), Itapemirim (R$ 269,2 milhões) e Marataízes (R$ 241,4 milhões). Essas cidades concentraram 65% de todo o valor pago a título de royalties e participações especiais ao conjunto dos municípios do Estado no ano passado, segundo a revista Finanças dos Municípios Capixabas, da Aequus Consultoria.

A “petrodependência” dessas prefeituras é grande. Em Presidente Kennedy, 72% da receita corrente em 2018 veio das compensações pela produção, paga pelas petroleiras à União, que transfere esses recursos. Em Itapemirim, isso representou 66%.

Já em Marataízes, a fatia da receita que veio do petróleo foi de 45% no mesmo ano, também de acordo com a publicação da Aequus, que só traz o dado de receita corrente nestas cidades até 2018. O município, porém, viu sua arrecadação de royalties mais do que triplicar a partir de 2019, com os efeitos práticos da unificação dos campos da região de Parque das Baleias em apenas um, o supercampo de Jubarte, maior região produtora no Estado.

Há ainda outras cidades fora do top 3, mas que também possuem parcela significativa da receita atrelada ao petróleo. Em Piúma, essa fonte representou 22,3% da receita corrente em 2019.

Esses municípios ricos, porém, deixam a desejar em alguns indicadores econômicos e sociais. A ferramenta “Monitor de Royalties”, do jornal O Globo, mostra que Presidente Kennedy, que tem um dos maiores PIB per capita do Brasil por causa do petróleo, regrediu nos resultados da educação e tem gerado poucos empregos. Desde 2000 até 2024 (segundo projeção do jornal), a cidade terá recebido um total de R$ 3,1 bilhões em royalties e participações especiais.

Segundo dados do Ministério da Economia, nos últimos 18 anos a cidade abriu, em média, apenas 24 novos postos de trabalho formais por ano. Já as notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) melhoraram em uma década (indo de 3,2 pontos em 2005 para 6,4 em 2015), mas caíram após isso e, em 2019, ficaram em 4,8 pontos, abaixo da média brasileira, de 4,9, como mostra o monitor.

Em Itapemirim, as notas no Ideb vêm avançando desde 2005 (indo de 3,4 para 5,6). Mas outros indicadores pioraram, como a taxa de mortalidade infantil, que aumentou de 2016 para cá. Em Marataízes, mesmo as receitas de royalties aumentando de 2016 para cá, os investimentos públicos caíram. Já em Piúma, o número de leitos públicos existentes para cada mil habitantes caíram ao longo dos anos.

E NO TEMPO DAS VACAS MAGRAS, COMO SERÁ?

O sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, explica que como na época das vacas gordas não havia uma cultura de cuidar bem desse recurso, pensando que ele é finito, essa conta virá no tempo das vacas magras. Esse mau uso já foi mostrado várias vezes como no caso de prefeitos que usaram a verba para comprar Corollas para o gabinete municipal ou mesmo para montar um lava a jato de carros da prefeitura.

A economia e professora da Fucape Arilda Texeira fala numa falta de planejamento crônica entre a maioria dos gestores públicos. “Esses gestores olham o recurso público como sendo propriedade deles, e gastam como se fosse deles ou do seu grupo político. Não sabem administrar para a sociedade, pensando no futuro, planejando de acordo com as necessidades que tem a economia daquele local para suprir esses desafios e alcançar um avanço econômico. E isso vai ser um problema”.

Arilda cita o que seriam bons exemplos, como investimentos em infraestrutura para que essas regiões progridam economicamente e para ampliar a qualidade da educação, para que haja maior qualificação profissional. Outra boa saída seria a criação de fundos que sirvam como uma poupança para o futuro dessas localidades, mas que só sejam utilizados quando a atividade petroleira se esgotar. “Se não tiver essa visão de longo prazo, no futuro só restarão para essas regiões o solo árido e a pobreza”.

Pires também alerta para o risco de colapso: “Pode não ter mais esse dinheiro para fazer frente às despesas que foram assumidas. Se for aprovada essa lei no STF, vai haver um desastre nesses locais, com a perda de um volume grande de arrecadação e essas cidades podendo entrar num verdadeiro caos político e social. E se o dinheiro tivesse sido bem gasto, estimulando o desenvolvimento econômico da cidade, o impacto seria mais controlável, porque haveria dinamismo e menos dependência”.

SE HOUVER ACORDO, CIDADES TERÃO ÚLTIMA CHANCE PARA MUDAR SEU FUTURO

Mesmo no caso de avançar o acordo proposto pelo governo do Espírito Santo para evitar uma perda maior, e que vem sendo debatido com outros Estados, haveria uma perda significativa para as cidades, de cerca de 26% ao ano, segundo projeta a PGE. Essa perda seria escalonada em alguns anos, período que, na visão dos especialistas, seria a última chance para que esses municípios construam bases para um futuro sem a “petrodependência”.

“Nunca é tarde para aprender”, comenta Adriano Pires, que fala em estrago menor com a aprovação do acordo. Isso daria a essas cidades poucos anos para aproveitar a plenitude dos recursos dos royalties para investir e atrair novos negócios, ou seja, ações que tenham impacto na atividade econômica.

“Daqui para frente, os municípios terão que criar fundos, não gastar isso mais com custeio e priorizar o uso em ações que gerem emprego e renda na cidade, porque isso, depois, também se reflete na arrecadação. Eles vão precisar criar fundos para guardar parte desse dinheiro de alguma forma, assim como o próprio governo do Espírito Santo fez. Será, de fato, uma última chance para evitar um futuro pior”, analisa o especialista.

O QUE DIZEM OS MUNICÍPIOS

A reportagem procurou as prefeituras dos quatro municípios citados. Em Presidente Kennedy, a gestão informou que fez uma “uma redução de 5% na previsão orçamentária de 2021 e para esse ano tem feito um esforço para reduzir despesas, sem perder capacidade de investimento”. O município informou, quanto aos indicadores de geração de emprego e educação, que vem trabalhando para mudar esse cenário e que a atual gestão assumiu a prefeitura há pouco mais de um ano.

A Prefeitura de Presidente Kennedy afirmou ainda que possui uma reserva financeira com receitas de royalties aplicada no mercado financeiro e que utiliza apenas os rendimentos mensais desses recursos para fazer os investimentos necessários.

A Gazeta não obteve resposta das prefeituras de Marataízes e Itapemirim até o fechamento da reportagem. Já em Piúma a reportagem não conseguiu contato com a administração do município.

FONTE: agazeta.com.br

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