O Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) concluiu um processo de Levantamento que buscou conhecer as ações de combate à Insegurança Alimentar e Nutricional (IAN) que estão sendo desenvolvidas pelos municípios do Espírito Santo e também pelo governo do Estado.
A Insegurança Alimentar e Nutricional pode ser caracterizada tanto pela incerteza quanto ao acesso a alimentos, pela piora na qualidade da alimentação para evitar comprometer a quantidade, ou mesmo redução quantitativa de alimentos consumidos. Quando está em nível grave, é considerada em situação de fome, segundo o IBGE.
No último dia 24 de novembro, o Plenário do tribunal julgou o processo de fiscalização sobre o tema, no qual buscou-se conheceros dados da insegurança alimentar nos municípios do Espírito Santo, e as ações dos órgãos do poder público para enfrentar o problema, verificando a estrutura governamental e os recursos aplicados.
No acórdão, a Corte de Contas determinou o envio de ofícios aos gestores para que tenham ciência do teor do Relatório de Levantamento, que também ficará disponível no Painel de Controle do TCE-ES. O relatório foi elaborado pelos auditores de Controle Externo do Núcleo de Controle Externo de Avaliação e Monitoramento de Outras Políticas Públicas Sociais (NOPP).
O que diz
Entre os motivos que fizeram o assunto se tornar alvo de fiscalização estão a relevância dele para a sociedade – sobretudo para a parcela mais carente da população –, e o aumento do número de famílias em situação de insegurança alimentar.
Isso porque o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) observou que o percentual de famílias atingidas pela insegurança alimentar no Espírito Santo teve aumento, após um período de queda. Nos anos de 2004, 2009 e 2013, o percentual de domicílios com insegurança alimentar foi de 32,2%, 31% e 12,2%. Porém, entre os anos de 2017 e 2018 o problema voltou a aumentar, chegando a 30,7%.
E em 2021, segundo um estudo realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), pode-se estimar que 54,6% da população capixaba vivia em situação de insegurança alimentar e que 540 mil pessoas passam fome.
No processo de levantamento, a equipe buscou, por meio de indicadores, identificar qual é a parcela da população capixaba que sofre com o problema da insegurança alimentar, e em qual nível. Detectou-se que não existem indicadores diretos sobre a insegurança alimentar por município capixaba, utilizando a metodologia do IBGE, que é a Ebia (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar).
“A não utilização de metodologia padronizada para levantamento sobre o número de pessoas em situação de IAN prejudica uma avaliação mais precisa da real dimensão do problema e das políticas públicas que objetivam enfrentá-lo”, apontou o relatório da área técnica.
Ações
A partir dessas informações, os auditores do Tribunal de Contas foram levantar as ações de combate à insegurança alimentar no Estado e nas cidades do Espírito Santo.
Dos 78 municípios, 83%, ou seja, 65 prefeituras, declararam não terem aderido ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). O Sisan é um sistema público instituído por lei para promover a formulação e a articulação de políticas de segurança alimentar e nutricional. Estados e municípios que fazem a adesão ao Sisan têm benefícios na articulação das políticas públicas para a segurança alimentar.
“Além disso, dos 13 que afirmaram ter aderido ao Sisan, em apenas 5 o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comsea) está em funcionamento e em somente 2 a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) está ativa”, registra o trabalho.
Essa falta de estrutura do Sisan aponta para problemas estruturais nas políticas de combate à insegurança alimentar. “Se tais políticas estivessem em funcionamento, haveria um incremento institucional e normativo tal que possibilitaria maior consistência, e consequentemente, maior eficácia e efetividade, nos programas, projetos e ações ligados à área da Segurança Alimentar e Nutricional”, avalia a área técnica.
Também foi analisada a estrutura governamental, composta, principalmente, pelos equipamentos e recursos da Assistência Social dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), quanto a sua estrutura física, recursos humanos, serviços e benefícios. Em um indicador variando de zero a cinco, a média dos Cras do municípios capixabas foi de 3,5, sendo 2 o índice mais baixo e 5 o mais alto, registrado em 10 cidades.
Outra informação verificada pela equipe de fiscalização foi que o Plano Municipal de Assistência Social existe e está atualizado em somente 37 municípios. Também se questionou sobre a existência de uma unidade específica por ações voltadas para a segurança alimentar e nutricional na Secretaria de Assistência Social do município. Isso ocorre em apenas 10 municípios.
Programas realizados
Em relação ao destino dos recursos da Assistência Social, é possível observar que a maior parte dos recursos é aplicada em auxílios (66%), especialmente para transferência de renda e reforço de renda familiar (56%).
Ao nível estadual, o relatório apontou os três principais programas desenvolvidos pelo governo. São eles: Programa Alimenta Brasil (PAB), Compra Direta de Alimentos (CDA) e Bolsa Capixaba – todos gerenciados pela Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades).
O PAB consiste na aquisição de gêneros alimentícios de forma direta da agricultura familiar e na doação simultânea dos produtos diretamente aos indivíduos que estão em situação de insegurança alimentar e nutricional. Em 2020, o programa beneficiou cerca de 20 mil pessoas em 24 municípios.
O CDA funciona no mesmo sentido do PAB. Consiste na aquisição de gêneros alimentícios de forma direta da agricultura familiar e doação dos produtos às redes socioassistenciais municipais. Das 100 unidades receptoras, 71 destinaram os alimentos para o preparo de refeições, o que beneficiou cerca de 5 mil pessoas. Outras 29 unidades destinaram os alimentos para a distribuição de cestas verdes, beneficiando 65 mil pessoas.
Já o Bolsa Capixaba, diferente dos outros dois programas, funciona com a transferência financeira para famílias em situação de extrema pobreza inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Atualmente, é destinado às famílias que não são beneficiadas pelos programas de transferência de renda do Governo Federal – Auxílio Brasil ou outro que vier a substituí-lo).
Nas cidades do Espírito Santo, a distribuição de gêneros alimentícios é a principal ação das administrações municipais – organizada em 74 dos 78 municípios. As outras duas práticas mais desenvolvidas pelas prefeituras são o fortalecimento da agricultura familiar, uma ação realizada em 69 cidades, e o incentivo ao aleitamento materno, em 30. Ações de prevenção ou combate à desnutrição infantil e à obesidade infantil estão presentes em 29 e 24 municípios, respectivamente. Nota-se que dois importantes programas – restaurante popular e cozinha comunitária – não estão instalados em nenhuma cidade capixaba.
Conclusão
O relatório concluiu que a distribuição de alimentos e a concessão de benefícios financeiros às pessoas em situação de insegurança alimentar é um recurso importante para amenizar a fome. No entanto, não devem ser as únicas ações a serem tomadas.
“É importante que políticas públicas sejam tomadas com o objetivo de proporcionar condições para que famílias possam prover seus próprios sustentos. A política de geração de emprego e renda associada a outras é uma das alternativas viáveis para o enfrentamento da pobreza”, aponta o conselheiro relator do processo, Domingos Taufner.
“Exemplo disso é a qualificação de mão-de-obra que poderia ser feita a partir de um levantamento do perfil das pessoas que estão em vulnerabilidade social, para verificar o potencial de trabalho delas e comparando com as necessidades dos setores da economia local, inclusive na área rural”, acrescenta o conselheiro em seu voto que foi seguido pelos demais conselheiros do Tribunal de Contas.
> Leia aqui o Relatório de Fiscalização, na íntegra.
Entenda: como se caracteriza a insegurança alimentar?
- Segurança alimentar: a família/domicílio tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.
- Insegurança alimentar leve: há preocupação ou incerteza quanto ao acesso a alimentos no futuro ou piora na qualidade dos alimentos, para evitar comprometer a quantidade de alimentos;
- Insegurança alimentar moderada: há redução quantitativa de alimentos entre os adultos ou ruptura nos padrões de alimentação, por conta da falta de alimentos;
- Insegurança alimentar grave – há redução quantitativa severa de alimentos também entre as crianças. É nesse nível que se classifica a fome.
Fonte: IBGE
Informações à imprensa:
Assessoria de Comunicação do TCE-ES
ascom@tcees.tc.br
(27) 98159-1866