Carta em respota a reportagem do programa Globo Rural, da Rede Globo, exibida no último dia 22 de outubro de 2023.
Por meio desta, apresentamos esclarecimentos e informações complementares às veiculadas na reportagem do programa Globo Rural, da Rede Globo, exibida no último dia 22 de outubro de 2023, intitulada “Descubra a diferença entre o café conilon e o arábica”. Acreditamos que os fatos e opiniões expostos na matéria não fazem jus à gama de informações e conhecimentos científicos disponíveis sobre o tema, nem ao panorama de investimentos e pesquisas na área.
Inicialmente, destacamos que quase 76 mil propriedades se dedicam à produção do café da espécie canéfora no Brasil, sendo os principais produtores Espírito Santo, Rondônia e Bahia, estados que são referência também na produção destes cafés com qualidade e sustentabilidade. É fundamental prezar e respeitar os esforços de tantos produtores e esclarecer os fatos de modo que não haja interpretações dúbias ou depreciativas do árduo trabalho que realizam.
Em todo o mundo são conhecidas 124 espécies do gênero Coffea. Mas apenas duas são cultivadas globalmente: Coffea arabica e Coffea canephora. A espécie arábica é conhecida por variedades como bourbon, catuaí, mundo novo, arara e outras. Já a espécie canéfora possui duas variedades botânicas: conilon e robusta, que têm ainda em centenas de variedades clonais, selecionadas por meio da pesquisa científica e, em alguns casos, por produtores rurais.
Portanto, apesar de no Brasil ser usado popularmente o termo “conilon” para falar de forma geral tanto do robusta quanto do conilon, o mais correto seria utilizar o termo canéfora ao se referir a ambas as variedades botânicas. Isso porque há diferenças entre conilon e robusta, desde a planta no campo aos sabores na xícara. Enquanto Espírito Santo e Bahia produzem cafés da variedade botânica conilon, todos os estados da região amazônica produzem robustas.
Existem indicações geográficas (IGs) tanto de café arábica quanto de café canéfora que fazem esta distinção. As IGs são registros que comprovam cientificamente as diferenças destas variedades, que possuem sabores únicos e que só são encontrados naquela determinada região. O café é a cultura com o maior número de IGs no Brasil, com 15 ao todo. As variedades botânicas conilon e robusta possuem similaridades e muitas diferenças importantes. Possuem características agronômicas, fenotípicas, sensoriais, químicas e físicas distintas, entretanto, ambas possuem altos índices de produtividade e qualidade, quando corretamente manejadas.
Outro trecho da reportagem trata da estrutura física e química dos frutos de café arábica e café canéfora. Tanto o arábica quanto o canéfora podem possuir cultivares com composição de fava (peneiras ou tamanho dos frutos) maiores ou menores, a depender de vários fatores, bem como a composição da polpa será afetada por fatores de ordem genética, fisiológica e nutricional. Portanto, não é suficiente levar em consideração apenas quantidade de polpa para se determinar as qualidades sensoriais.
O café arábica possui de 9 a 12,5% de carboidratos solúveis, enquanto o café canéfora de 6 a 11,5%. Já os polissacarídeos insolúveis entre 46-53% no arábica e 34 e 44% no canéfora. A cafeína varia de 0,8 a 1,4% em arábicas e 1,7 a 4,0% no canéfora. Ou seja, são muitos parâmetros.
Não se mensura a qualidade com base em teores de “açúcar”. A etapa de pós-colheita, por exemplo, reserva uma série de fatores de interação entre processos fermentativos, que ocorrerão de forma espontânea ou induzida, para consolidar o perfil sensorial dos cafés, sejam eles arábicas ou canéforas (robustas e conilons).
É importante ainda que seja comunicado ao telespectador e aos milhões de consumidores de café que o café conilon e o robusta podem sim proporcionar cafés especiais, com variações de notas sensoriais e descritores positivos e sabores que já tem surpreendido especialistas e consumidores no Brasil e no mundo, além de possuírem maior percentual de sólidos solúveis, o que favorece a produção de café solúvel.
Não apenas nos arábicas, mas também nos robustas e conilons é possível obter sabores que remetem à memória sensorial com notas de caramelo, baunilha, noz moscada, uva passa, malte, açúcar mascavo, frutas amarelas, dentre outras. Ou seja, não é adequado classificar toda uma gama de cafés como “aguado” quando existem muitos descritores sensoriais nos cafés canéforas que estão conquistando paladares e motivando a pesquisa a desenvolver uma roda de sabores específica para o café canéfora, tamanha diversidade e complexidade de sabores.
Isso é inédito no mundo e está em fase final de elaboração por pesquisadores brasileiros. A pesquisa dará suporte aos degustadores de café e demais especialistas, chegando aos consumidores de café do Brasil e do mundo.
Também é importante esclarecer que a composição de blends (misturas de cafés arábica e canéfora) não tem o propósito de baratear o produto, mas sim de proporcionar uma bebida mais encorpada e equilibrada para atender a demandas de mercados específicos, levando em consideração padrões de segurança e qualidade, tendo em vista que o café é um alimento.
Por último, destacamos que não é a Região Noroeste do Estado do Espírito Santo reconhecida como produtora de café arábica, conforme veiculado na matéria. O cultivo do café arábica no Espírito Santo situa-se nas microrregiões do Caparaó e Montanhas do ES.
Neste contexto, sugerimos e convidamos a equipe do programa “Globo Rural” a realizar uma reportagem no Estado do Espírito Santo, Rondônia e Bahia. A reportagem teria como objetivo destacar as pesquisas em andamento e já desenvolvidas que se concentram na melhoria da qualidade do café conilon. Além disso, gostaríamos que a reportagem apresentasse casos de sucesso de agricultores que produzem cafés conilon de alta qualidade no estado do Espírito Santo. Desta forma, seria corrigido um equívoco cometido na reportagem do dia 22 de outubro de 2023, valorizando todos os esforços da cadeia produtiva do café conilon no Brasil e no mundo.
Assinam de forma conjunta essa carta as seguintes entidades:
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo – IFES
Associação Brasileira dos Classificadores e Degustadores de Cafés – ABCD
Associação Brasileira da Indústria de Café – ABIC
Associação dos Produtores de Cafés Espaciais da Alta Mogiana – AMSC
Brazil Specialty Coffee Association – BSCA
Cooperativa Central de Crédito do ES – Sicoob Central ES
Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de São Gabriel – COOABRIEL
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA
Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural – INCAPER
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas – IFSULDEMG
Fórum Brasileiro de Regiões de Café com Indicação Geográfica
Latitudes Brazilian Coffees
Sindicato das Indústrias de Café do Estado de São Paulo – SINDICAFESP
Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras do Estado do Espírito Santo – OCB/ES
Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca – SEAG
Silvio Leite Café Ltda/Agricoffee Ltda
Centro do Comércio de Café da Bahia
Sindicato dos Produtores Rurais de Teixeira de Freiras
Diretoria Regional Extremo Sul da FAEB
Associação dos Agricultores e Pecuarista do Extremo Sul da Bahia – AAPEX
P.S.: A entidades signatárias reconhecem a carta de retratação emitida pelo profissional Pedro Bronzin Junior.