Em defesa de garantias constitucionais, MPC se alinha ao entendimento do STF e do STJ e recorre de parecer consulta do TCE/ES
Agora alinhado ao posicionamento do STF e do STJ, assim como atento a garantias constitucionais, MPC recorre de parecer consulta em que se discute a legalidade de pagamento de subsídios a vereador afastado do cargo por ordem judicial ou preso preventivamente.
Conforme sinalizado no Processo TCE/ES 2249/2022 (Consulta), no dia 10 de março de 2023 o Ministério Público de Contas (MPC) apresentou recurso (Pedido de Reexame – Processo TCE/ES 1111/2023) com objetivo de reformar a decisão do TCE/ES (Parecer em Consulta 00001/2023-5) que classificou como indevido tanto o pagamento de subsídios a vereador afastado de suas atividades por ordem judicial, em sede de medida cautelar (derivada de ação penal), quanto o pagamento de subsídios a vereador afastado em razão de prisão preventiva.
Para o Órgão Ministerial, entretanto, o pagamento integral do subsídio do vereador é devido (deve ser mantido) durante todo o período de afastamento por ordem judicial ou de duração da prisão preventiva.
A motivação para a mudança de posicionamento tem relação direta com a adesão a precedente vinculante do STF, entendimento do STJ e defesa das garantias constitucionais da presunção de inocência, irredutibilidade de vencimentos e incolumidade dos direitos políticos (art. 5º, LVII, art. 37, XV, e art. 15, II e V, todos da Constituição Federal de 1988).
COMO O TRIBUNAL DE CONTAS DECIDIU?
De acordo com o entendimento firmado pelo Plenário do TCE/ES (Processo TCE/ES 2249/2022), por meio do Parecer em Consulta 00001/2023-5 (alvo do recurso do MPC), “não é devido o pagamento de subsídios a vereador afastado de suas atividades por ordem judicial em sede de medida cautelar em ação penal, assim como, não é devido pagamento de subsídio a vereador afastado quando se tratar de prisão preventiva.”.
“A regra pro labore faciendo é determinante para discernir a particular condição laboral do vereador, ou seja, recebe quando trabalha. Estando afastado por medida cautelar em esfera criminal, não lhe assiste o direito de receber subsídio. Mesmo a presunção de inocência não lhe dá amparo. Neste caso, não recebe.”
O posicionamento firmado na 2ª Sessão Ordinária do Plenário, em dia 02 de fevereiro de 2023, é resposta à Consulta formulada pelo presidente da Câmara Municipal de Linhares, Roque Chile de Souza. As dúvidas que motivaram a Consulta são as seguintes:
1) É devido o pagamento de subsídios a vereador afastado de suas atividades por ordem judicial em sede de medida cautelar em ação penal?
2) É devido o pagamento de subsídios a vereador preso preventivamente?
INTERESSE RECURSAL
Além de detalhar o preenchimento de outros requisitos (cabimento, legitimidade, tempestividade), o MPC põe em destaque o pressuposto recursal do interesse, uma vez que a decisão do TCE/ES objeto do recurso (Parecer em Consulta 00001/2023-5) está em sintonia com o parecer ministerial emitido dentro do Processo TCE/ES 2249/2022 (Consulta).
Segundo consta no Pedido de Reexame, não há qualquer impedimento à mudança de entendimento – seja pelo mesmo membro da instituição ou por outro que o suceda -, visto que observada, no caso concreto (em sede recursal), a possibilidade de obtenção de posição mais adequada à Consulta formulada.
“Portanto, o fato de o 17 – Parecer em Consulta 00001/2023-5 convergir com o 14 – Parecer do Ministério Público de Contas 06013/2022-1 não aniquila o interesse recursal do Parquet de Contas. Aquela promoção e o presente recurso são elaborados por Procuradores Especiais de Contas distintos e que têm entendimentos divergentes sobre o objeto da Consulta. Para o subscrevente deste recurso, o provimento impugnado ofende as garantias constitucionais da presunção de inocência e da irredutibilidade de vencimentos, tal como interpretadas em precedente vinculante do STF, na jurisprudência uníssona do STJ e amplamente majoritária dos Tribunais de Justiça e de Contas, razão por que considera a sua reforma integral uma exigência do interesse público à integridade da ordem jurídica. Portanto, também vai atendido o pressuposto recursal do interesse.”, destacou o recorrente.
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS EM JOGO
De acordo com o exposto no recurso, as garantias constitucionais da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF), da irredutibilidade de subsídios (art. 37, XV, CF) e da incolumidade dos direitos políticos (art. 15, II e V, CF) não autorizam a suspensão do pagamento do subsídio do vereador durante o período de afastamento cautelar do cargo em esfera criminal ou de prisão preventiva.
O TEMA NA LEI
Segundo consta, inúmeras disposições legais determinam, expressamente, a manutenção da remuneração do agente público nos casos de afastamento temporário. Por outro lado, nenhuma norma jurídica determina a suspensão do pagamento durante o afastamento temporário.
O TEMA NA DOUTRINA
Para o MPC, a doutrina não deixa dúvida: por ter natureza cautelar (de preservação das provas, dos documentos e das testemunhas do caso até o julgamento), sem constituir penalidade de qualquer espécie, o afastamento temporário deve se dar sem prejuízo da remuneração devida ao agente público pelo exercício do cargo ou função.
PRECEDENTES
No recurso, o MPC ainda destaca que a decisão recorrida (Parecer em Consulta 00001/2023-5) está em total descompasso com precedente vinculante do STF (RE 482.006/MG), jurisprudência pacífica do STJ (RMS n. 47.799/RJ) e dominante dos Tribunais de Justiça e de Contas, conforme levantamento realizado no recurso.
“Para o Plenário do STF, o desconto do subsídio antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória fere as garantias da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF) e da irredutibilidade de subsídios (art. 37, XV, CF).
[…]
E é importante frisar: como o RE 482.006/MG foi decidido pelo Plenário do STF, ele possui status de precedente formalmente vinculante a ser observado por todos os juízes e Tribunais brasileiros – não apenas por seus Ministros e Turmas. É o que se tira do art. 927, V, CPC, e sua interpretação doutrinária, bem como dos precedentes do STF firmados nas ADIs 3406 e 3470, onde foi assentada a eficácia vinculante erga omnes dos fundamentos determinantes de todos os pronunciamentos da Suprema Corte, provenham eles do controle difuso/concreto ou concentrado/abstrato.”, declara o MPC.
Além disso, na avaliação do Órgão Ministerial, o Parecer em Consulta 00001/2023-5 choca-se com julgados do próprio TCE/ES que disciplinam a matéria: Parecer em Consulta 046/2000 e Parecer em Consulta 012/2005. De acordo com o evidenciado pelo recorrente, a Corte de Contas deveria seguir seus próprios precedentes; poderia superá-los mediante a demonstração fundamentada da incorreção ou desgaste dos seus motivos determinantes, o que não teria ocorrido no caso concreto.
“(…) o tema objeto da presente Consulta já se encontrava disciplinado em precedentes do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (Parecer em Consulta 046/2000 e Parecer em Consulta 012/2005) e do Supremo Tribunal Federal (RE 482.006/MG), os quais condensaram as garantias constitucionais da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF) e da irredutibilidade de subsídios (art. 37, XV, CF) de modo a não admitir a suspensão do pagamento do subsídio do vereador durante o período de afastamento cautelar do cargo ou de prisão cautelar;”, observa o MPC.
EQUÍVOCO DA EQUIPE TÉCNICA E DO PLENÁRIO DO TCE/ES
O recurso ainda revela equívoco na afirmação lançada pelo Núcleo de Recursos e Consultas (NRC) e reiterada pelo Plenário do TCE/ES sobre o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da eventual possibilidade de pagamento de subsídios a vereador afastado do cargo. Segundo destaca o recorrente, o processo do STF citado como precedente norteador (ARE 1.294.959/PR, de relatoria da ministra Cármen Lúcia) nem sequer foi conhecido pela Suprema Corte. Sendo assim, não poderia ser utilizado para legitimar a decisão da Corte de Contas capixaba.
“Primeiro: é equivocada a afirmação – lançada pelo NRC no 10 – Instrução Técnica de Consulta 00028/2022-6 e reiterada pelo Plenário no 17 – Parecer em Consulta 00001/2023-5 – de que no ARE 1.294.959/PR o STF decidiu pela suspensão do pagamento do subsídio do edil afastado do cargo por força de cautelar concedida em processo penal. Decididamente, não foi o que aconteceu.
Como está claro, a questão de fundo – deve ou não ser mantido o pagamento do subsídio do edil afastado do cargo por força de cautelar concedida em processo penal – não foi examinada pelo STF, pois o ARE 1.294.959/PR nem sequer foi conhecido. Incorrendo em manifesto equívoco, a 10 – Instrução Técnica de Consulta 00028/2022-6 (fls. 4-5) e o 17 – Parecer em Consulta 00001/2023-5 (fls. 06-07) transcrevem o acórdão do TJPR como se fosse a decisão do STF, o que deve ser corrigido.
Segundo: a jurisprudência do STF segue estável, firme, invariável no sentido da inconstitucionalidade da suspensão ou desconto da remuneração em razão do afastamento temporário/suspensão cautelar do cargo, inclusive quando o servidor estiver sob prisão preventiva, por violação das garantias da presunção de inocência e irredutibilidade de vencimentos.”
PROPOSTAS DO MPC
Ao fim, o Órgão Ministerial propõe que a Consulta seja respondida nos seguintes termos:
NOVO JULGAMENTO
O Pedido de Reexame (Processo TCE/ES 1111/2023) está sob a relatoria do Conselheiro Sérgio Manoel Nader Borges.
LEIA TAMBÉM:
CONFIRA o conteúdo completo do Parecer em Consulta 00001/2023-5 no Processo TCE/ES 2249/2022 (Consulta);
CONFIRA o conteúdo completo da petição de recurso do MPC no Processo TCE/ES 1111/2023 (Pedido de Reexame);
ACOMPANHE o andamento dos Processos TCE/ES 2249/2022 (Consulta) e 1111/2023 (Pedido de Reexame) no site oficial do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE/ES)
Fonte: Ministério Público de Contas do Espírito Santo – MPC-ES.