23.9 C
Marataizes
domingo, dezembro 22, 2024
23.9 C
Marataizes
domingo, 22 dezembro 2024
Slideshow de Imagens Slideshow de Imagens
ArtigosBalanço do cenário educacional na pandemia

Balanço do cenário educacional na pandemia

Com os números de contágios ainda oscilando na pandemia, como fica o “novo” calendário escolar? Quais os obstáculos enfrentados por estudantes que não possuem recursos para o estudo híbrido? Qual o papel dos pais e escolas na retomada presencial parcial às instituições de ensino?

Diante de tantos questionamentos enfrentados pela sociedade, conversamos com a educadora Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM e ex Secretária de Educação Básica do Ministério da Educação. Abaixo, entrevista com a especialista.

Este é momento ideal para a volta às aulas presenciais?

Quem deve definir o momento de voltar para as escolas são os profissionais da saúde. Não são os pais, professores e diretores. É necessária uma ação conjunta entre gestores da educação e da saúde, com uma escuta evidentemente das famílias dos estudantes e dos profissionais, garantindo condições para que os protocolos de higiene e segurança sejam seguidos e respeitados no estabelecimento.

Quando as pessoas dizem que os estudantes não são um grupo de risco, temos que lembrar que eles moram com pais, mães, avós, tias, padrinhos, madrinhas, e que muitos estarão nos grupos de riscos. A volta deve se organizada, o espaço deve ser sanitariamente tratado e a ciência e profissionais da saúde têm que ser ouvidos e devem dar a palavra final.

Faltando cerca de dois meses para o fim do ano letivo, a volta seria justificável?

A verdade é que as escolas nunca estiveram fechadas, nem as atividades suspensas durante esse isolamento. De uma maneira ou de outra, milhares de professores criaram formas muito novas inovadoras e transformadoras para manter o processo de aprendizagem com seus estudantes. Portanto, o ano de 2020 não pode ser cancelado.

De uma maneira ou de outra, ele aconteceu e aconteceram aprendizagens e transformações. A gente tem que tomar muito cuidado para não achar que a aprendizagem só acontece quando se está na escola. A aprendizagem acontece sempre, em muitos lugares e a escola tem que estar conectada com o mundo lá fora.

A pior coisa que pode acontecer agora é deixar as crianças e adolescentes sem nenhuma atividade, sem nenhum vínculo com o mundo escolar e com o mundo da aprendizagem. A diferença é que os profissionais da educação são comprometidos, e aprenderam na prática, inovando, mantendo contato e enviado atividades, para que essas crianças e jovens saibam que a escola não acabou. O edifício pode estar fechado, mas em breve ele reabre e, enquanto isso, o vínculo e o processo de aprendizagem continuam acontecendo de muitas maneiras.

Levando tudo isso em consideração, partindo do princípio que as atividades estão em andamento, a realização de algumas atividades presenciais para estreitar esse vínculo faz sentido, desde que se tenha o aval dos profissionais de saúde, respeitando os protocolos e preservando a saúde de toda comunidade educativa.

O Brasil está preparado para o modelo de ensino híbrido de forma efetiva?

O ensino híbrido tem possibilidade sim de funcionar no Brasil, tanto na rede pública quanto na privada. Esse modelo de ensino não representa exclusivamente o uso de tecnologias, mas sim atividades que serão parte presenciais e parte a distância. Então, se a escola conhece bem os seus estudantes, ela sabe quais as condições de cada um para organizar e planejar o ensino híbrido coerente com as necessidades deste grupo de alunos.

Em termos de precariedade do acesso à internet e da importância dessa ferramenta para educação, o que aprendemos na pandemia?

A melhor forma de enfrentar essa questão da tecnologia é enfrentar a desigualdade social e econômica do Brasil, que gera a forte desigualdade educacional. Nós necessitamos de políticas compensatórias para os grupos que foram historicamente prejudicados, como incluir acesso à internet como um direito, “na cesta básica”. Também é importante olhar para os professores, uma vez que nem todos têm em suas residências boas conexões de internet. É necessário sim pensar em uma política pública que garanta a todas as crianças e jovens brasileiros o acesso à internet gratuita, além de equipamentos, seja um smartphone, um laptop ou um tablet. Além disso, professoras e professores precisam de formação para poder preparar estas atividades e se sentirem seguros com elas.

Em termos de infraestrutura das escolas, uma volta às aulas em escolas públicas segura é possível?

Temos que repensar aquele formato antigo da escola. A hora agora é de fazer uma escola nova, com todos esses aprendizados que colhemos durante a pandemia. As turmas terão que ter menos alunos, os espaços da escola e do seu entorno, o bairro, deverão ser incorporados às atividades. Quando a gente começa a trabalhar com espaços e tempos mais flexíveis, a gente avança na concepção de educação, tira a escola das grades de horários e passa a pensar, por exemplo, que a pracinha pode ser o local para oficinas de botânica para 10 estudantes, enquanto outros 10 estão em sala de aula e outros 10 fazendo uma atividade na quadra.

E retorno seguro implica em um plano detalhado de medidas preventivas, articular grupo intersetorial (saúde, educação, assistência, cultura), ampla testagem da população, segurança alimentar, proteção social contra a violências e, principalmente, a preservação do direito à educação. Ou seja, não dá pra voltar sem planejamento e diálogo.

Escolas públicas e privadas deveriam seguir o mesmo calendário de volta às aulas?

Depende da infraestrutura e planejamento de cada escola, cada território. Escolas privadas costumam (com raras exceções) funcionar em prédios adaptados, classes cheias de alunos, falta de espaços coletivos ao ar livre. Tanto escolas públicas e privadas têm diferenças entre si. Logo, o calendário não deve ser o mesmo para um grupo grande de escolas. Temos de respeitar as escolas, sua forma de funcionar, sua história. Deveríamos respeitar mais o saber fazer de cada escola. Teremos muitas dificuldades, uma delas é que a cultura escolar, a forma de o nosso modo de trabalhar, com uma rotina muito engessada, com horários muito definidos e com turmas fechadas em si mesmas passou e não deve voltar a ser “normal”. Eu espero que, tenhamos uma concepção de escola alargada, onde todos os territórios sejam espaços de aprendizagem, que criemos laboratórios e oficinas, em diferentes espaços, seja no pátio, na cantina, nas quadras, nas bibliotecas, nas praças, ou seja, que todos os espaços da escola e no seu entorno da escola possam ser usados significativamente.

Os professores precisam de novas formações, para entenderem novas formas de avaliação, porque não será possível avaliar crianças da mesma maneira, com a mesma prova e, a escola vai ter que repensar seu papel no mundo, porque é um corte abrupto mas necessário, daquela escola muito clássica, muito fechada e muito gradeada por currículos e notas de zero a dez. Quando os estudantes voltarem, é acolhimento será a palavra chave, é preciso uma a escuta do que cada um passou, de como cada um viveu essa quarentena, porque esta volta não é o retorno de um período de greve ou de férias, é a volta de uma pandemia, onde mais de 140 mil brasileiros morreram e muitos dos nossos estudantes e profissionais da educação terão sido afetados pelo luto, pela solidão, por violências diversas, pela fome.

Isso é muito mais importante do que qualquer conteúdo ou calendário: acolher, escutar, saber a situação de cada um e aí pensar em atividades que garantam o aprendizado. Nós vamos ter de selecionar o que é essencial e eu não acho que seja obrigatório terminar o ano letivo agora. Para mim, uma solução criativa seria reunir 2020 e 2021, que seriam um ano, um ano e meio, que valeria por dois, não reprovar ninguém e analisar as condições de cada estudante, com trilhas personalizadas para cada um.

Qual o papel dos pais nessa questão?

Os responsáveis pelas crianças merecem tanto acolhimento quanto os próprios estudantes por parte da escola. Muitas dessas pessoas perderam o emprego durante a pandemia, temos muitas famílias nas quais os adultos não concluíram os estudos, portanto têm dificuldades de auxiliar as crianças nas atividades escolares. Como comentei acima, se a escola conhece bem os seus estudantes – e isso inclui a sua família, o contexto em que está inserido -, ela sabe quais as condições de cada um para propor atividades coerentes com as condições necessárias de cada núcleo familiar.

Não são os pais, professores e diretores. É necessária uma ação conjunta entre gestores da escola e da saúde, com uma escuta evidentemente das famílias dos estudantes e dos profissionais, mas, antes de tudo, nós temos que escutar o que a ciência tem a nos dizer.

Confira Também